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08/04/2003

CONSTANTINO A IGREJA E O PAPADO

                                         CONSTANTINO E A IGREJA

Sou amigo de um pastor daqui, que diz admirar o Papa e a Igreja Católica. Mas ele me disse que, por volta do ano 300 d.C., Constantino invadiu Roma, mas permitiu que os cristãos continuassem ali. Porém ele disse que Constantino alterou algumas normas da doutrina católica, alterações que continuam até hoje. É verdade esse fato na história da Igreja?                                                                 (Carlos Renato Silva - S. José do Jacuri/MG.)

No ano de 293, o Império Romano foi dividido – do ponto de vista administrativo – em duas partes: oriental e ocidental, cada uma das quais possuía dois governantes: um “Augusto” (o principal) e um “César” (o auxiliar e ao mesmo tempo sucessor, como os “vice” de hoje).
            Quando Constantino assumiu o poder como “Augusto”, no Ocidente, precisou combater com outros que reivindicavam o mesmo posto. Conta-se que, antes da batalha em que derrotou seu rival Maxêncio junto à ponte Mílvia, em 312, Constantino tivera uma visão representando a cruz de Cristo, com a inscrição: “Com este sinal vencerás.” Por isso mandou que seus soldados colocassem em seus escudos o símbolo cristão, e a vitória assim obtida aumentou a simpatia que Constantino sempre tivera pelo cristianismo.
            Em 313, junto com seu aliado Licínio (do Império do Oriente), Constantino proclamou um edito de tolerância (o edito de Milão), concedendo aos cristãos a igualdade de direitos com as outras religiões. Em 324, Constantino derrotou Licínio, tornando-se então o único soberano de todo o Império Romano. A religião cristã começou a receber cada vez mais privilégios, como: a construção de muitas igrejas e basílicas, na Terra Santa, em Roma, em Antioquia e outras ainda; a dispensa dos impostos e da prestação de serviços públicos, para os clérigos; a equiparação dos bispos com os altos funcionários do governo; a doação de propriedades de terras. A festa cristã do Domingo já tinha sido introduzida oficialmente no império em 321 (cf. Curso Básico de História da Igreja, de Roland Fröhlich).
            “No Ocidente, desde 323 os símbolos cristãos começam a substituir os símbolos pagãos nas moedas, o vocabulário cristão se infiltra na legislação, os filhos do imperador são criados no cristianismo, exemplo contagioso num Estado romano fortemente monarquizado. E não só isso: os julgamentos dos tribunais episcopais têm validade oficial e as Igrejas têm a faculdade de construir um patrimônio próprio.”
            Ao tornar-se o único senhor do Império, Constantino “transformou Bizâncio (capital do Oriente) na esplêndida Constantinopla, criando assim uma “nova Roma”, já esta especificamente cristã.” (História da Igreja, de Pierre Pierrard).
            Além de interessar-se pela Igreja cristã, porém, o imperador quis também “mandar” nela, interferindo em seus assuntos. Convocou e presidiu ao Concílio de Nicéia em 325, decidindo as medidas que seriam tomadas contra os heréticos “arianistas”, dos quais, entretanto, fez-se protetor três anos depois.
            Mas, apesar daquelas medidas administrativas, da influência política e do caráter de imponência material que a Igreja adquiriu em conseqüência dessa proteção e incentivo, nenhum imperador chegou a “alterar normas da doutrina católica”. A autoridade religiosa tinha força sobre a autoridade civil, mas nunca foi por esta dominada, embora não faltassem tentativas nesse sentido. Por exemplo, Constantino não conseguiu obter a aprovação da Igreja para a heresia arianista, quando se tornou seu defensor. A autoridade da Igreja nunca foi corrompida.
A Igreja continuou sendo aquela mesma que antes era perseguida, a mesma que fora iniciada pelos apóstolos. Passou por mudanças e adaptações exteriores, motivadas pelas circunstâncias (como em todos os tempos), mas não sofreu mudanças essenciais, em sua identidade, sua doutrina ou sua autoridade. A doutrina apenas se desenvolveu naturalmente, sem nunca negar ou contradizer suas origens, nem deixou de ser fiel à herança dos apóstolos.
Aliás, a Igreja continuou forte quando, no século V, o Império Romano entrou em decadência...

                                        CONSTANTINO  E  O  PAPADO

Lendo o artigo em que a sra. se referiu ao Imperador Constantino, lembrei-me de perguntar-lhe por que o Imperador é que convocou o Concílio de Nicéia. A “visão” que ele teria tido deve ter sido inventada e sua “conversão” parece que teve intuitos puramente políticos. Além do mais, cumulando a Igreja de riquezas e poderes, ele desvirtuou o caminho do cristianismo apostólico, criando o cristianismo constantiniano, que infelizmente dura até hoje. Li num livro que, naquela época, não havia um Papa. Havia o bispo de Roma, mas sua autoridade não se sobrepunha à dos demais bispos. Esse primado só teria tido início algum tempo depois, talvez sob a influência das riquezas e poderes que Constantino lhe teria concedido...
                                                                                            (Newton Freire Maia – Curitiba/PR.)
           
            Não se sabe se foi real a visão de Constantino (na qual uma voz lhe disse que venceria seus inimigos com o sinal da cruz), ou se não passa de lenda. É provável que, no início, seu interesse pelo cristianismo tivesse mesmo motivos políticos: por meio dessa aliança, talvez fosse a sua própria promoção que ele buscava, tendo reconhecido a força potencial da jovem Igreja. De qualquer forma, tudo indica que ele tinha boas intenções, não era simplesmente um hipócrita e aproveitador. Empenhou-se de fato em ajudar a Igreja, e tudo fez para “cristianizar” os costumes e as leis do Império, tentando remodelar a sociedade segundo os princípios cristãos, e fazendo valer a autoridade da Igreja também no âmbito civil. Em várias ocasiões ele proclamou sua fidelidade à religião cristã. E quando, ao final de sua vida, fez-se batizar, ninguém poderia afirmar que sua conversão não era sincera.
            Sabemos que essa posição de prestígio que Constantino deu à Igreja teve conseqüências boas e más. Não seria justo considerar apenas as conseqüências negativas, ignorando as positivas, que foram a expansão e a força que possibilitaram à Igreja firmar-se para enfrentar os difíceis tempos que vieram depois (com a dominação dos bárbaros), e nos quais ela foi o baluarte que sustentou e preservou a civilização. Como diz a sabedoria popular: “Deus escreve certo por linhas tortas”. Precisamos acreditar que tudo o que aconteceu naquela época fazia parte dos planos de Deus. Já no Antigo Testamento vemos como Deus serviu-se de um rei pagão (Ciro, da Pérsia), para libertar seu povo do exílio na Babilônia (Esd 1,1-4; 2 Cr 36,22-23). Também esse rei assim agiu por interesses políticos, mas, mesmo sem o saber, estava igualmente servindo aos desígnios de Deus.
            Parece que Constantino se considerava investido de uma missão divina, que consistia em unir a Igreja e o Estado. Ele se julgava no direito e mesmo no dever de interferir nos assuntos da Igreja, como se esta precisasse ou dependesse dele. Foi por isso que ele convocou o Concílio de Nicéia, para dar resposta à heresia arianista. Ele queria o bem da Igreja, sim, mas que esse bem viesse por suas mãos.
            Por causa da proteção e dos benefícios concedidos à Igreja por Constantino, muitos cristãos, inclusive bispos, acolheram de bom grado a sua participação, sem encontrar motivos para rejeitá-la. De qualquer forma, embora tenha sido ele a convocar os bispos, a assembléia só se tornou Concílio porque o Papa a aprovou. A autoridade de Constantino nunca se sobrepôs ou influenciou a autoridade da Igreja em termos de doutrina ou disciplina, nem ele tentou passar por cima dessa autoridade.
            Naturalmente, naquela época, a função do Papa não estava ainda tão bem definida e estruturada quanto hoje, inclusive por causa das dificuldades de comunicação e transporte que prejudicavam os contatos e o intercâmbio entre as diversas comunidades. Como toda a Igreja foi-se desenvolvendo e estruturando aos poucos, também a função do Papa foi sendo progressivamente entendida e amadurecida.
            Mesmo assim, já havia desde o início a consciência da necessidade de uma autoridade central, e a convicção de que essa autoridade cabia à sé de Pedro. Isso já era afirmado na Igreja bem antes de Constantino. Ainda antes do fim do 1º século, por exemplo, tendo surgido uma disputa entre os fiéis de Corinto, o bispo de Roma, São Clemente, escreveu-lhes uma carta autoritária: “Se alguém não obedecer ao que Deus mandou por nosso intermédio, saibam que incorrem em falta e em perigo muito grave.” É significativo que o bispo de Roma tenha intervindo em questões internas da comunidade de Corinto, embora houvesse outras comunidades mais próximas, e em Éfeso ainda vivesse o apóstolo João. Sabe-se também que as palavras do bispo Clemente foram acatadas pela comunidade de Corinto.
            No início do séc. II, Santo Inácio de Antioquia escrevia aos cristãos de Roma, reconhecendo a influência daquela comunidade sobre as outras: “Não invejastes a ninguém; instruístes os outros. Também eu quero guardar aquilo que ensinais e preceituais.” Santo Inácio confiou aos romanos o cuidado das comunidades da Síria: “Somente Jesus Cristo e a vossa caridade exerçam para com elas o papel do bispo.”
            Santo Ireneu (+ 202 aproximadamente), diz que Roma é, entre as comunidades, “a maior e a mais antiga, conhecida por todos, fundada e constituída pelos dois gloriosíssimos Apóstolos Pedro e Paulo. Mostraremos que a tradição apostólica que ela guarda, e a fé que ela comunicou aos homens, chegaram a nós através da sucessão regular dos bispos, confundindo assim todos aqueles que... querem procurar a verdade onde não se pode encontrar. Com esta comunidade, de fato, dada a sua autoridade superior, é necessário esteja de acordo toda comunidade, isto é, os fiéis do mundo inteiro; nela sempre foi conservada a tradição dos Apóstolos” (Adv. Haer. III 3,2).
            Em meados do séc. III, São Cipriano, bispo de Cartago, chamava a cátedra de Roma “cátedra de Pedro, a Igreja principal, donde se origina a unidade sacerdotal (isto é, a unidade dos bispos)”. Ele afirma que “os romanos não podem errar na fé”, e que “estar em comunhão com o Papa é estar em comunhão com a Igreja Católica”.
            Comentando Jo 21,16, diz ainda São Cipriano: “Assim o Senhor edifica sobre Pedro a Igreja e lhe confia as suas ovelhas para apascentá-las. Se bem que dê igual poder a todos os Apóstolos, Ele constituiu uma só cátedra e dispõe, por sua autoridade, a origem e o motivo da unidade. Por certo os demais Apóstolos eram como Pedro, mas o primado é dado a Pedro e a unidade da Igreja e da cátedra é assim demonstrada. ... Julga conservar a fé, quem não conserva esta unidade recomendada por Paulo? Confia estar na Igreja quem abandona a cátedra de Pedro (em Roma) sobre a qual está fundada a Igreja?” (Sobre a unidade da Igreja, cap. 4).
            Em 251, o Papa Cornélio recebeu a profissão de fé de vários bispos do Norte da África, que tinham aderido ao cisma de Novaciano, mas resolveram voltar à comunhão da Igreja. Escrevem eles: “ ... há um só Espírito Santo; por isto deve haver um só Bispo à frente da Igreja Católica”.
            Como indicam esses testemunhos, a autoridade do bispo de Roma é anterior a Constantino, e nada tinha a ver com o poder temporal ou com “riquezas”, mas trata-se claramente de uma liderança religiosa, herança do primado de Pedro. E essa liderança continuou sendo afirmada posteriormente, de forma cada vez mais categórica: no séc.V, Santo Agostinho recebeu a intervenção do Papa Inocêncio I (sobre a controvérsia pelagiana) com as palavras: “Agora que vieram disposições da Sé Apostólica, o litígio está terminado”. No Concílio de Calcedônia (451), lida a carta do Papa Leão I, a assembléia exclamou: “Esta é a fé dos Pais, esta é a fé dos Apóstolos. Pedro falou através de Leão.” Entre 493 e 495, o Papa Gelásio I declarou que a sé de Pedro (romana) tinha o direito de julgamento sobre todas as outras sedes episcopais, ao passo que ela mesma não está sujeita a nenhum julgamento humano. Esse princípio entrou no Código de Direito Canônico (cânon 1629).

(Principais fontes de consulta: Diálogo Ecumênico (D. Estevão Bettencourt, Ed. Lumen Christi); Revista Pergunte e Responderemos nº 459, Agosto/2000; Eu sou feliz por ser Católico (Pe. Marcelo Rossi).